Saturday, December 31, 2016

MEntira na MEnsagem

O caso da entrevista dada por Assange ao la Repubblica e truncada abusivamente pelo Guardian contém alguns dos elementos exemplificativos de como se multiplica a falsa informação.

Artigo de G. Greenwald no Intercept.

Saturday, November 12, 2016

Runaway Train

Lembram-se quando estava na moda fazerem-se filmes com combóios que tomavam o freio nos dentes e fugiam, carregados de matérias perigosas, até ao estampanço final? Pois é a sensação que me fica ao ler as notícias sobre as eleições americanas. Aqui o combóio são os Democratas, a elite onservadora neoliberal em geral, os Clinton e os fios que os ligam às várias partes do mundo que podem pagar os favores a que eles têm acesso e, como não podia deixar de ser, aqueles meios de comunicação que cairam praticamente em todas as esparrelas que lhes estenderam e que se reconhecem por serem os que mais barulho fazem, tentando perservar o espetáculo. Talvez com o tempo e a memória sobrecarregada do povo o consigam.

XXX

Entretanto, aqui fica o link para uma refrescante análise da situação.

Monday, November 7, 2016

Bon Chic Bon Genre

Está visto. Um jornal ganha fama de ser corajoso e curioso e de levantar lebres que outros preferem deixar a dormir. Sério ou mordaz, independentemente do método é ele que nos aponta as tramóias e os conluios, quem e porquê nos atiça os ódios e nos prega rasteiras, quem se  faz de amigo e quem se faz de inimigo, e por isso mesmo é respeitado tanto dentro como fora das fronteiras regionais.

Está visto. Um jornal assim correrá o risco de ver abundantes precalços espalhados pelo caminho e os seus jornalistas a escrever espalhados por sites e blogs, para se manterem fiéis aos seus princípios. Um jornal assim também se poderá deixar apaixonar pela sua respeitabilidade, mandar os princípios e os ideais dar uma volta pelo saguão e abrir as portas aos vendedores de banha da cobra. Neste caso, um jornal assim passa a ser um jornal de varivaidades, depois de ter comido os próprios fígados ao submeter o seu conteúdo à subtil cosmética da autocensura.Vimos gente que considerávamos séria e de confiança fazer piruetas para tornar enevoado o que salta à vista, que é exatamente o oposto do seu caminho inicialmente traçado.

Também está visto. Os jornais que pouco ou nada se afastam do biberão cosmético das agências e que imitam outros jornais de maior sucesso, enevoando ainda mais as coisas, para parecerem gente fina.

As campanhas para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, com o seu rol de golpes baixos e escândalos prontamente abafados, têm sido determinantes no levantar destes cadáveres das suas campas.

Saturday, April 23, 2016

Chá à sombra de Wall Street

Há muito tempo que não se via tanto entusiasmo, tanta confiança no sistema democrático, se bem que provocada esta pela necessidade de mudar o sistema que serve de bandeira às democracias actuais. Entusiasmo e confiança que podem ter vindo um pouco tarde, pois bateram com estrondo contra a parede preparada para os receber. Trafulhice com os cadernos eleitorais e despropositadas intervenções da polícia são, para já, as acusações repetidas. Com truques tão clássicos como trauliteiros, imagine-se o que pode vir a acontecer se Bernie se aproximar, apesar disso, da presidência. Regresso ao tiro? Ou ao chapéu de chuva envenenado? Ou ao mais recente chá com polónio? Bem vindo à mais poderosa "managed democracy" do mundo, à sombra de Wall Street.

O jornalismo que por aí se pratica é, em regra, mau, menos mau ou pouco bom. O bom é, em regra perigoso, muito perigoso ou mesmo mortal. O papel que tem tido o mau jornalismo é muito visível na campanha contra Dilma, onde um vasto grupo de personalidades sob investigação por crimes vários pretende destituir do cargo a única que não meteu dinheiro ao seu próprio bolso. No caso das eleições americanas é impressionante o esforço para minimizar a campanha de Bernie e dar-lhe a palmadinha de consolo a cada etapa. Mas o mais revoltante é quando começam a aconselhar o voto na Clinton por pragmatismo, em oposição ao ingénuo idealismo da campanha rival. Basta comparar o currículo de ambos para se ver que o conselho só faz sentido para quem queira deixar tudo como está, mas o que mais me arrepia é saber que este argumento paternalista já justificou situações indefensáveis e ditaduras. Foi com o argumento do pragmatismo económico que foi justificado, durante muito tempo, o tráfico atlântico de escravos.

Na maior parte dos casos poder-se-á dizer que os jornalistas querem sentir-se parte da festa, que querem mesmo uma fatia do bolo. Afinal, mesmo que não acreditem na teoria de que o sucesso económico premeia sempre os melhores e inevitavelmente os que já ganham bem a troco de nada, ninguém gosta de fazer figura de pobre. Mas deixem-me que lhes diga, quem inventou o neoliberalismo não soube onde lhe pôr os travões. Sob esse nome ou, pior ainda, anónimo, é uma máquina que só pára quando tiver devorado até os convidados.

Sunday, February 21, 2016

Eco

De Umberto faço eco quando diz "Eu sou um criador de leitores." E porque diz ele isto?

Sunday, December 6, 2015

THE DUOH REPORT texto completo

JET LEG publica na íntegra o texto (em inglês) de THE DUOH REPORT, iniciando assim a secção TRAVELOGUE onde se fala de lugares no tempo, do tempo nos lugares e de viagens no tempo e pelos lugares. Aviso aos leitores, até aos mais persistentes, é duro de ler no computador.


Thursday, October 1, 2015

Bar on the beach with fake Mondrian

Bar on the beach with fake Mondrian, neste momento a caminho da Austrália, na lista dos dez melhores trabalhos sobre arte escolhidos pelo crítico do Guardian, Jonathan Jones.

Tuesday, May 5, 2015

NA NOSTROSFERA

Nostrosfera – plano da atmosfera em que se situa um grupo de indivíduos, arredados de outros indivíduos ou grupos. Tudo o que existe na nostrosfera é tido como único, ainda que se repita noutras nostrosferas.

Numa altura em que a banda desenhada ainda é considerada por muita gente como coisa para crianças, em que alguns autores, como que envergonhados, se apressam a referir o que fazem como um passatempo ou uma atividade marginal com fins didáticos, tudo menos um processo criativo em profundidade e de pleno direito, grassa um fogo de paixão em torno do conceito de novela gráfica. Na nostrosfera portuguesa, em que profissional equivale grosso modo a empregado, os autores não publicam pelo lucro, que não o há, mas, em seu lugar, cresce o número de workshops, de professores assistentes e de sonhos americanos de emigração. Entretanto, algumas alminhas nostrosféricas, em vez de se preocuparem com coisas sérias, andam a discutir o sexo da arte!

A conversa, pelo que apanhei a voo de pássaro, mete formatos de capa, grossura de lombada e vai a detalhes de aparência gráfica que saem de todo do que interessa para saber o que a obra deve à novela. É um esforço burocrático, condenado à partida, contra uma enxurrada oportunista que, noutras nostrosferas, já viu misturar-se no conceito de graphic novel vários mainstream locais, desde o clássico comic americano até ao estilo de drama musical de Bollywood. Como se tornou frequente nas últimas décadas, no mundo das artes, confunde-se cantata com conceito, sendo a cantata de mais fácil absorção.

Nau Negra, a história que acabei recentemente, deve mais ao teatro do que à novela, contudo foi executada como o são normalmente as novelas, revisões frequentes incluídas, que me obrigaram a redesenhar várias páginas. Como lhe hei-de chamar? Apresento-a como novela gráfica, porque soa melhor do que BD, já toda a gente sabe o que é, e depois não é mentira nenhuma. A menos que uma novela gráfica tenha que ter a aparência de um tijolo, a letra esteja condicionada a um tipo, os balões tenham que ser todos redondos e a história tenha que fazer chorar como numa telenovela. Por outro lado, banda desenhada sempre foi um termo de gosto duvidoso, mas também serve, excepto quando o interlocutor pensa que é apenas coisa infantil ou didática. De qualquer modo há-de ser sempre difícil transmitir, através das conotações establecidas pela designação, toda a complexidade da obra em causa.

Mas, ainda que seja para combater o uso abusivo de um termo (graphic novel), cujo dá um cheiro de respeitabilidade intelectual, de momento já um pouco enfraquecido pela sua generalização, o que não se pode fazer é isolar a banda desenhada e dizer que ela tem força suficiente para se aguentar sem associações a outras formas de comunicação. Porque uma das grandes vantagens da banda desenhada é exatamente a capacidade de absorver essas associações e transmiti-las à sua maneira. Por outras palavras, agarrar no mundo, dar-lhe uma volta e contar uma história. 

Monday, April 27, 2015

ÓBVIO


A escolha de cores das letras acima é óbvia. Foi feita com recurso a uma paleta com cores complementares, ferramenta tornada popular pelos programas gráficos. Deu-me jeito para fazer um título óbvio, mas não estou a recomendar o seu uso sistemático a ninguém. Acontece que o título não é assim tão óbvio... ou será óbviio? Ou óbivio? Há aqui um choque de óbvios, em que um, pelo facto de deitarmos sobre ele os nossos olhos curiosos, parece afastar-se para tão longe que se torna difícil discerni-lo. Nesse ponto é frequente o cidadão comum dá-lo como uma bizarria ou mesmo uma maldade, uma anomalia sujeita a transmitir contagiantes preversidades. Soube-se hoje que algumas canetas laureadas da literatura mundial decidiram boicotar a homenagem prevista pelo Pen Club ao Charlie Hebdo. Também aqui há um conflito de óbvios. O óbvio mais basicamente óbvio, aquele que vai ao encontro das ideias feitas do cliente deste início de século, apresenta-nos o Charlie como um jornal racista, xenófobo, com um humor brutal, insultuoso e de péssimo gosto, que ataca abaixo da cintura. Também é óbvio que deixar passar a chacina vingativa de metade da redação dum jornal, com base em considerações de gosto, sem uma resposta firme de quem se preza defensor da liberdade de expressão, é algo que nem tem nome (Salman Rushdie já lhes chamou, no Twitter, os Six Authors in Search of a bit of Character). Terceiro óbvio, aquele que se afasta a olhos vistos à medida que o século avança, é que o humor brutal (e, quanto a mim, de péssimo gosto) do Charlie não é racista nem xenófobo, se bem que as linhas finas com que se cose possam dar-lhe esse aspeto. Estas linhas finas, fáceis de pisar, não são óbvias, custam a encontrar e mesmo depois de encontradas há que as manter seguras. Pode mesmo perguntar-se se terão alguma utilidade para além do exercício intelectual que proporcionam, visto que o mundo se agarra cada vez mais ao óbvio mais basicamente óbvio, aquele que vai ao encontro das certezas, aquele que não está plantado no meio do caminho, mas sim colado à testa do caminhante.

Sunday, April 19, 2015

NO PRATO

Um funcionário de topo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, disse ao The Observer que a situação dramática das vagas de migrantes que tentam atingir a Europa através do Mediterrâneo só não é atenuada (pela presença de mais meios de busca e salvamento) por falta de vontade política dos governos europeus, reféns do eleitorado, cada vez mais xenófobo e alarmado com a crise. E diz ainda: “O nível de diálogo, comparado com o de há 20 anos, é surpreendente. Não teria sido possível, no passado, a retórica racista, a retórica da intolerância. Nos anos 60, 70 e 80 isto nunca seria aceite.” Vejamos, então, é a democracia que está mais direta? São os governos que baixaram de nível? Terão os povos subido de escalão? E, se assim é, terão ainda os povos legitimidade para usarem os governos como bode expiatório de todos os seus falhanços, a começar pelos governos que eles próprios elegeram? Ou povos e seus governos terão embrutecido a olhos vistos, nas últimas décadas? Seria mau verniz? Seria falso diploma? Falsa tolerância? Excesso de livros grandes com letras gordas? Excesso de redes sociais? Excesso de noticiários nacionais? Hipocrisia? Os povos querem lá saber! Desde que seja no prato...

Thursday, April 16, 2015

TROLLITEIRO

Um caceteiro com conta no facebook, mais recentemente também no twitter. Um trauliteiro, em suma.

Saturday, April 11, 2015

CONSUMIMÉTICO

Do ponto de vista da minha adolescência, os editores, em Portugal e em ditadura, resumiam-se a duas categorias, os corajosos e os outros. Isto quando Portugal era um país em grande parte analfabeto, com pouco interesse por coisas culturais e que dizia tudo em inho. Acabou-se-me a adolescência e também se acabou a ditadura, a nossa grande desculpa para sermos corajosos. Seguem-se duas décadas de marés, cada vez mais semelhantes mas ainda sob algum efeito da mudança de regime, a Europa, a internet, o novo século, o 9/11, o euro, os abalos financeiros, os senhores da guerra, as epidemias e... em Portugal sobrevive o efetivo analfabetismo e a fraca curiosidade intelectual, cuja se limita a testar as novidades nascidas fora, e uma tépida diversidade cultural, também inserida por imitação, que se quer já adaptada à ânsia de tudo mercar o mais depressa possível. A sociedade portuguesa é, então, aquilo a que chamo uma sociedade consumimética, virada para uma simplória e fácil orientação dos gostos. Divergências, ideias originais ou polémicas nascidas no seu interior esbarram contra ela, tal como se esbarra contra uma fila compacta de clientes de supermercado com o nariz enfiado no folheto das promoções. Uma coisa é vender livros num supermercado, outra, mais perigosa, é submeter a edição às suas regras. Se editores e programas de governo para promover as letras e as artes se submetem às regras de supermercado, na mira de sucesso e de lucro rápidos, não obterão mais que magros lucros quando comparados com o custo das fragilidades culturais e da dependência, que se seguirá, com o tempo. É um preço muito pesado para apenas ver uns dinheiros a circular de uns bolsos para outros. Ainda acabam, acossados pelo fantasma que ajudaram a criar, a esconder-se da própria sombra.

Sunday, April 5, 2015

BROQUEIO

Zenzibre. Conesse zenzibre? Muito bom.” O nepalês esforça-se para vender tudo o que tem à vista, fazendo o papel de divulgador de produtos exóticos. Contudo, gengibre há muito que não faz parte desse grupo. Os verdadeiros produtos exóticos estão a perder a batalha e a desaparecer das prateleiras, porque não têm saída. O que o povo quer é sopinha, os nepaleses nunca viram povo que gostasse tanto da dita sopinha e vão-se habituando à ideia que tudo o que não se pode transformar em sopinha, vende-se muito pouco. “Zenzibre” e aponta com o queixo “Ali.” A senhora atrapalha-se com os sacos e confessa que não conhece, mesmo quando o nepalês agarra num pedaço de gengibre dizendo “Esto, zenzibre.” Fechada a porta que dá para o estrangeiro, apesar da pronúncia ser quase igual, a senhora sorri. Por fim, parece acordar e exclama “Gengibre! Claro que conheço!” “Esto, zenzibre!” “Gengibre, pois claro.” “Muito bom, zenzibre.” “É gengibre, pois é.” “Quer zenzibre? Muito bom.” “Não quero gengibre. Não quero.”

Saturday, April 4, 2015

F1%s0F14

A ideia de criar palranoas nasceu da imaginação saturada de inventar códigos de segurança com 70li$$Es com mais de oito letras, entre maiúsculas e minúsculas, e símbolos vários, exceptuando uns quantos. Como também não me contento em apelidar as pastas que se vão acumulando no computador do género “Projeto Nau Negra versão 23 low res preto e branco com teste de texto sem balões”, ou mesmo “PNNv23lrpbttsb”, dizia eu, tive que imaginar códigos curtos mas suficientemente individualizados como, por exemplo “Paus Noas Noas & TT”, cujo resultado nem sempre é eficaz. Junte-se a esta prática a imperativa observação do universo que nos rodeia e temos as palranoas, que continuarei a divulgar aqui, à medida que forem surgindo. Eis mais um indício de como a revolução digital continua a influenciar a filosofia. Chamam-lhe agora F1%s0F14.

Thursday, April 2, 2015

Palranoas: ORGALHO.

É sabido, há quem tenha um orgulho de grandes dimensões e outros há que os têm pequenos. Já não é tão evidente haver quem tenha orgulho em coisas indignas e que o seu número seja tal que se possam agrupar populações inteiras pelos tipos de indignidades praticadas. Digo que aparenta porque me parece pouco provável que se tenha genuíno orgulho nelas. Será mais uma espécie de orgalho e é, frequentemente, trauliteiro. Assim, quando fôr alvo de manhoso ataque de inveja ou abuso de confiança, quando lhe mentirem e enganarem descaradamente ou adiarem promessas que nunca tencionaram cumprir e, ainda por cima, se gabarem de ser assim mesmo que as coisas são e que você é que está errado, poderá sempre dizer “enfim, eles lá têm o seu orgalho!”

Wednesday, April 1, 2015

Palranoas: GUGLER.

Há que acrescentar avisos, quanto mais não seja na contracapa, dos livros traduzidos para português, indicando o grau de amor à arte com que o texto foi traduzido, ou se foi apenas guglido. Nalguns casos podemos desconfiar que o livro foi originalmente escrito sem dor ou prazer mas, em geral, a afonia do texto denuncia a prática do gugler pelo tradutor. Pode ir ao extremo de vestir em português palavras estrangeiras. Lembro-me de um caso em que, de tão literal, a tradução sugeria, a certo ponto, o contrário do texto original. Gugler tornou-se tão comum, que não poupa traduções de escritores premiados por intelectuais encartados, sendo que aqui o texto se pode limitar a um arrastar de preguiças a que foi extraída a vontade de viver, sem dar muito nas vistas, por esses baixos amarinhais fora. 

Tuesday, March 31, 2015

Palranoas: AMARINHAIS.

É mesmo assim, por vezes são precisas palavras simples para o dizer, o que vos falta é amor à arte. Sois uns pássaros que amarinham, melhor uns e pior outros, portanto qualquer tentativa para intelectualizar a questão só irá fazê-la cair nas vossas unhas de aves amarinhas. Não tendes amor à arte mas sim à mercearia, ao proveito e à posição. E daqui se separam os caminhos, por essa extensa pradaria, por esses baixos amarinhais fora.

Sunday, March 22, 2015

Friday, January 30, 2015

Consumimetismo

Um espaço cultural consumimético exclui qualquer ideia original nascida no seu interior.



Tuesday, April 29, 2014

The bar on the beach with fake Mondrian


Um bar na praia com falso Mondrian”, acrílico sobre tela por Nina Govedarica. Exposição “Pombos e gaivotas em férias” na El PepGallery, de 30 de Abril (às 18h00) a 9 de Maio, centro comercial Imaviz, Av. Fontes Pereira de Melo 35, Lisboa.

Faux Mondrian

No colégio era conhecido como Clemente e os próprios pais lhe haviam mudado o nome para Vassálio, porque o original soava demasiado a russo, aos ouvidos portugueses daquela época. Mas era sobretudo conhecido como o 115, número que teria que calhar a alguém, a menos que o banissem, como o 13 dos hotéis, e que lhe valeu não poucos infernos à voz de ti-nó-nim.

Seria normal que ele me odiasse para toda a vida pois, em cima de tudo isto, eu trocava-lhe frequentemente o nome para Vitalino ou para Valério e, na dúvida, chamava-o por 155. Não faço já ideia por quê, talvez para formar equipas para um jogo, chamei-o um dia pelo nome original, Vassiliy Kleemt, isto sem esboço de troça, o que pelos vistos me redimiu de múltiplos 155, alguns Valérios e vários Vitalinos.

Kleemt tem, contudo, uma outra característica ainda mais curiosa do que o seu destino canhestro para os nomes, tem uma cabeça de Mondrian. Não que seja parecido com qualquer retrato conhecido de Mondrian, mas porque a sua própria cabeça é uma versão 3D de um quadro de Mondrian, um falso Mondrian, como ele diz, mas mesmo assim uma engenhosa recriação que se altera como é normal alterarem-se as expressões do rosto e que tem cheiro, sua, assopra e faz comichão e barulhos, como as outras cabeças que estamos habituados a usar.

Para além disso, pouco há a acrescentar, Kleemt é um tipo fisicamente discreto e até um pouco apagado, o que faz um estranho efeito, sobretudo em locais públicos, e pode dar origem a curiosos diálogos de café, como por exemplo, “Não sabia que tinham aqui um Mondrian, mas olha, está em equilíbrio instável, ainda cai para cima da mesa”, “Qual Mondrian? Aquilo é o Kleemt”, “Estás a tomar-me por um ignorante? Aquilo, um Kleemt? Então, eu não sei o que é um Mondrian?”

Fiquei um pouco surpreendido, quando ele me apareceu um dia, vestindo um fato cinzento de brilho azul, como se a cabeça se movimentasse projetando uma longa sombra para baixo, e me estendeu um cartão de visita, à maneira oriental, com acompanhamento de música e tudo, o que amenizou um pouco a gravidade da sua presença. Dizia assim, o cartão, “Vassiliy Kleemt y Faux Mondrian” e, por baixo, “Synesthete.”

Fazendo jus ao meu desastrado sentido de humor, perguntei-lhe se tinha casado com uma falsa Mondrian e que raio era um sinesteta, coisa que os dicionários de português ignoram e se isso teria a ver com sinestesia ou com sinestética. Ele respondeu-me que fizera vários cartões diferentes, um com Vassálio, outro até com Clemente, que se lembrara mesmo de Valério e de Vitalino, que era uma vantagem criativa poder jogar com diversas identidades, mas que arrumara de vez o assunto que o atormentara toda a vida juntando-lhe o Faux Mondrian, que este fizera grande sucesso na China e no Japão e que em grande parte lhe devia o facto de se ter tornado num confortavelmente respeitado “synesthete”, coisa que me pareceu ser, às primeiras explicações, assim como uma espécie de mestre em feng-chui globalizante.

Fiquei informado que a atividade escolhida por Kleemt para usar no cartão de visita, tem a ver com sinestesia, condição que foi originalmente considerada uma aberração e que ajudaria a explicar à gente séria a existência de uma outra aberração, o artista. Mas desde aí muita coisa mudou, “Sem sinestesia”, afirma Kleemt, “não haveria leitores de banda desenhada, ou por outro lado, só haveria leitores de banda desenhada do mais básico mainstream, apesar do princípio ser o mesmo, potenciar a capacidade que temos de complementar sensações. Quanto maior capacidade de o fazer por si próprio, mais rica a experiência. Quanto menor capacidade, maior dependência de uma linguagem simples e forte para conseguir uma experiência semelhante.”

Friday, April 25, 2014

O meu passado aos quarenta anos.

Um colega de liceu, atrás de mim, rouco de tanto manifestar e irremediavelmente condenado a não poder usar o microfone, repetia-me ao ouvido que não me esquecesse de falar dos quarenta anos de fascismo. Quarenta anos, naquela altura, pareciam uma densa eternidade. O que me apetecia dizer para a sala apinhada de estudantes, era: vocês não estão a, nem vão levar, isto a sério e com cabeça, não sabem o que se passa, nem estão interessados em saber. Só como exemplo, têm à vossa frente pessoas que lhes transmitem coisas diferentes, e ainda bem que o conseguem fazer, apesar do acesso ao microfone ser uma espécie de maratona de obstáculos em que todos os truques são permitidos, e, suspeito que sem sequer ligarem as palavras aos sons que estão a ouvir, rompem em aplausos a cada pausa respiratória. Lá consegui dizer algo semelhante a isto e, como seria de prever, o discurso foi um fracasso. Terminado a tempo, antes de eu ser arrancado ao microfone pelos metrónomos de serviço, recebeu uma sonora ovação, tal como todos os outros. Dei ali por terminada a minha embrionária carreira política. Agora, que o meu próprio país continua a ser estrangeiro para mim e que o fundo das épocas se tornou no meu país de exílio, não há dúvida, quarenta anos é uma densa eternidade.

Saturday, April 12, 2014

Ladaínha de mao freguez portuguez

em Portugal não se vive da Arte

em Portugal não se vive

em Portugal

portugueZ que se compraZ na sua pequeneZ

é ladaínha de mau fregueZ

é artifício de má reZ

vejam o que feZ

Z



Z








TZ





TZ-ZZZ







TZZZZZ-TZ-TZ-TZZZZZZZZZZZZZZZZ


ZT

Tuesday, April 8, 2014

PESSOARDA. Procrastinação hereditária

A propósito da questão levantada na Pessoarda de outubro passado (que podem ler no Hard Line), veja-se o curioso artigo do Science Daily sobre procrastinação e impulsividade. Pensavam que eu estava a brincar?

Artistas Emergentes


O Urso pergunta: é daqueles que pensam que a febre de revelações artísticas entre os políticos mostra o seu lado humano, mesmo depois de contados os mortos?