Friday, April 25, 2014

O meu passado aos quarenta anos.

Um colega de liceu, atrás de mim, rouco de tanto manifestar e irremediavelmente condenado a não poder usar o microfone, repetia-me ao ouvido que não me esquecesse de falar dos quarenta anos de fascismo. Quarenta anos, naquela altura, pareciam uma densa eternidade. O que me apetecia dizer para a sala apinhada de estudantes, era: vocês não estão a, nem vão levar, isto a sério e com cabeça, não sabem o que se passa, nem estão interessados em saber. Só como exemplo, têm à vossa frente pessoas que lhes transmitem coisas diferentes, e ainda bem que o conseguem fazer, apesar do acesso ao microfone ser uma espécie de maratona de obstáculos em que todos os truques são permitidos, e, suspeito que sem sequer ligarem as palavras aos sons que estão a ouvir, rompem em aplausos a cada pausa respiratória. Lá consegui dizer algo semelhante a isto e, como seria de prever, o discurso foi um fracasso. Terminado a tempo, antes de eu ser arrancado ao microfone pelos metrónomos de serviço, recebeu uma sonora ovação, tal como todos os outros. Dei ali por terminada a minha embrionária carreira política. Agora, que o meu próprio país continua a ser estrangeiro para mim e que o fundo das épocas se tornou no meu país de exílio, não há dúvida, quarenta anos é uma densa eternidade.

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