Saturday, April 23, 2016

Chá à sombra de Wall Street

Há muito tempo que não se via tanto entusiasmo, tanta confiança no sistema democrático, se bem que provocada esta pela necessidade de mudar o sistema que serve de bandeira às democracias actuais. Entusiasmo e confiança que podem ter vindo um pouco tarde, pois bateram com estrondo contra a parede preparada para os receber. Trafulhice com os cadernos eleitorais e despropositadas intervenções da polícia são, para já, as acusações repetidas. Com truques tão clássicos como trauliteiros, imagine-se o que pode vir a acontecer se Bernie se aproximar, apesar disso, da presidência. Regresso ao tiro? Ou ao chapéu de chuva envenenado? Ou ao mais recente chá com polónio? Bem vindo à mais poderosa "managed democracy" do mundo, à sombra de Wall Street.

O jornalismo que por aí se pratica é, em regra, mau, menos mau ou pouco bom. O bom é, em regra perigoso, muito perigoso ou mesmo mortal. O papel que tem tido o mau jornalismo é muito visível na campanha contra Dilma, onde um vasto grupo de personalidades sob investigação por crimes vários pretende destituir do cargo a única que não meteu dinheiro ao seu próprio bolso. No caso das eleições americanas é impressionante o esforço para minimizar a campanha de Bernie e dar-lhe a palmadinha de consolo a cada etapa. Mas o mais revoltante é quando começam a aconselhar o voto na Clinton por pragmatismo, em oposição ao ingénuo idealismo da campanha rival. Basta comparar o currículo de ambos para se ver que o conselho só faz sentido para quem queira deixar tudo como está, mas o que mais me arrepia é saber que este argumento paternalista já justificou situações indefensáveis e ditaduras. Foi com o argumento do pragmatismo económico que foi justificado, durante muito tempo, o tráfico atlântico de escravos.

Na maior parte dos casos poder-se-á dizer que os jornalistas querem sentir-se parte da festa, que querem mesmo uma fatia do bolo. Afinal, mesmo que não acreditem na teoria de que o sucesso económico premeia sempre os melhores e inevitavelmente os que já ganham bem a troco de nada, ninguém gosta de fazer figura de pobre. Mas deixem-me que lhes diga, quem inventou o neoliberalismo não soube onde lhe pôr os travões. Sob esse nome ou, pior ainda, anónimo, é uma máquina que só pára quando tiver devorado até os convidados.